“Não adianta investir milhões em marketing, sendo
que o valor interno não reflete a vontade externa. O mercado sabe das coisas,
os colaboradores transparecem e os problemas aparecem”. Na mesma medida em que a
internet causou um movimento gigantesco de facilidades para o contato com
clientes e usuários, também trouxe problemas bastante complexos para as
empresas, alvos das mídias sociais e do imediatismo deste novo relacionamento.
Com base nesse atual panorama, e
numa sequência de outros macroambientes por trás do relacionamento e tratamento
da marca, a CRN Brasil bateu um papo com Francesc Delgado
Ruiz, professor e diretor do departamento de marketing da Escuela Superior de
Administración y Dirección de Empresas (Esade) de Barcelona, gerente de
marketing da Federação Internacional do Automobilismo (FIA) e sócio de várias
outras iniciativas. Para ele, a base atual de sustentação do mercado é o valor
e o posicionamento da companhia.
CRN Brasil – Qual é o maior
desafio de enfrentar o mercado de consumo seja corporativo ou final, no século
XXI, frente a tantos novos nichos de atuação?
Francesc Delgado Ruiz – No século XXI tudo mudou,
isso pode ser observado por qualquer pessoa que está no mercado há mais tempo.
Antes, há 14 anos, as pessoas faziam um grande investimento em comunicação
massiva, várias ações de marketing e publicidade e com, isso ganhavam
notoriedade, respeito. Hoje isso funciona? Sim, mas não significa que será da
forma como deve ser. Através das redes sociais, você consegue ser uma marca top
of mind a custo zero, seja para o bem ou para o mal. No atual momento, as redes
sociais ainda são usadas para o mal, disso não há dúvidas. As pessoas utilizam
aquele espaço para reclamar e pegar no pé das marcas, e isso se espalha de
forma viral nas mídias. Os núcleos de comunicação, por vezes, trabalham
apagando um fogo imenso que se alastra a cada replicação. A grande dúvida é:
como lidar com este cenário?
CRN Brasil – Então, como lidar
com este cenário?
Ruiz – A primeira coisa é aceitar: Twitter e
Facebook, por exemplo, são muito complexos, a ponto de você ter centenas de
milhares de clientes, e, no Facebook, você não conta com tantos fãs assim. É um
grande ponto para pensar se a estratégia usada no “mercado físico” é a correta,
se os clientes são mesmo fiéis à marca. Temos que pensar em lidar e gerenciar
toda essa massa, e jamais combatê-la. Há muito poder por trás de um simples
tweet. Tudo se trata de posicionamento de mercado, a visibilidade que a marca
atinge e como faz isso. E essa linha de pensamento te leva a caminhos como
perguntar “o que estou fazendo nas redes sociais?” ou “estou fazendo isso da
forma correta?”. Hoje, através das redes sociais ou do Google, o cliente, por
vezes, sabe mais dos produtos que os próprios fabricantes.
CRN Brasil – Mas tudo se trata
das redes sociais? Estamos falando que o mercado está resumido ao
relacionamento online?
Ruiz – As rede sociais substituíram o antigo modo
de relacionamento. Complicou por um lado, quanto a lidar com a fúria e a
necessidade imediatista de atendimento e interação, mas facilitou quanto ao
contato com o cliente, isso é inegável. Com 140 caracteres você deixa o
consumidor a par do que está acontecendo. Então, a resposta é: não, nem tudo se
trata das redes sociais, mas o relacionamento, antes de ser pessoal, olho no
olho, é hoje testado pelo quanto a marca dá atenção ao seu consumidor através
de mídias online. Para o consumidor, é muito fácil simplesmente resolver a
dúvida dele pelo Twitter, pois ele, como cliente, está lá disponível para a
conversa. Esse é o novo olho no olho. O motivo da grande maioria das empresas
ainda não conseguirem entender as redes sociais é que elas ainda pensam de
forma burocratizada. Existem regras? Sim, existem. Mas há quanto tempo existem
essas regras? Elas foram reformuladas pensando na forma de relacionamento que
encontramos hoje? As perguntas são muitas, mas a resposta, em síntese, é que se
não houver uma forma mais simplista de contato, há uma tendência muito clara de
queda.
CRN Brasil – Dando um passo atrás
na nossa conversa: por onde começar e para onde as empresas devem caminhar?
Ruiz -Tudo se trata de valor e posicionamento.
Esses dois pontos são o início e a base de sustentação no atual mercado. Então
vamos por partes: O valor que eu digo é tudo o que impulsiona a empresa, ou
seja, a missão, o objetivo, as metas, as divisões internas, a clareza no
relacionamento, o convívio interno, a facilidade de fazer negócios, as
políticas claras, o engajamento pessoal, a liberdade de expressar opiniões…São
vários elos que devem ser extremamente bem estruturados. É difícil? É, mas não
deveria, pois estamos falando no quão claro é o negócio da empresa para dentro
e para fora da estrutura. E quando vamos para fora, temos clientes sedentos
dessa clareza. Os valores internos refletem no mercado. Há tanta especulação
hoje, que criar dúvidas deixa a concorrência feliz e o usuário/ cliente
enraivecido. As empresas devem se apegar a essa ideia. Não adianta investir
milhões em marketing, sendo que o valor interno não reflete a vontade externa.
O mercado sabe das coisas, os colabores transparecem e os problemas aparecem.
CRN Brasil – E aí já estamos
falando do posicionamento, certo?
Ruiz – Correto! As pessoas compram o produto, o
serviço, mas principalmente os valores da empresa, a forma como ela se
posiciona. Com a empresa bem posicionada, a qualidade se dá por entendida.
Então, por exemplo, esse é o motivo das filas de espera para comprar uma
Ferrari de 600 mil dólares contra a necessidade de se fazer várias campanhas
para vender um Fiat Uno. Os dois podem quebrar, mas a qualidade está
subentendida.
CRN Brasil – Mas falamos de dois
nichos de compras muito diferentes, com poder aquisitivo muito distante entre
os consumidores de um ou outro veículo.
Ruiz – Claro, com toda a certeza. São nichos. Mas
isso é postura, certo? O cliente compra a qualidade, a marca, os valores e tudo
por trás da Ferrari, sendo que ela é da Fiat, que também fabrica o Uno. A
Ferrari se posicionou em alto escalão e o Uno ainda não encontrou o modelo
certo de presença no mercado. Não estou dizendo que é isso o que acontece, mas
é o que o mercado vê. E isso, levado ao mercado de tecnologia, desde o
fabricante ao usuário, é um excelente exemplo de como se posicionar em cada
produto e solução. Se é um equipamento para grandes empresas, então é para elas
apenas, se é para pequenas, que seja para elas, mas tudo isso com valores e
postura clara. Voltando aos carros, claro que são nichos, obviamente, quem compra
hoje um Uno não vai levar uma Ferrari, mas se o Uno tivesse um público certo e
bem definido, sem tantas mudanças drásticas ano pós ano, de repente, ele não
seria uma opção entre várias de escolha, mas sim a escolha em si desde o
princípio, assim como é a Ferrari.
CRN Brasil – Mas e a concorrência
com os produtos chineses, por exemplo?
Ruiz – Se o seu cliente optou por comprar um
produto chinês, é um valor dele e não seu. Nem todos os produtos chineses são
ruins, temos grandes empresas lá. Mas quando há um histórico claro de
problemas, e você perde uma concorrência com alguém comercializando esse
produto ruim, que isso não faça parte da sua empresa. Novamente, qualidade se
dá por entendida.
CRN Brasil – Voltando àquele papo
do cliente, em sua palestra para parceiros da Furukawa você afirmou que um dos
grandes problemas das marcas é gerar expectativa em excesso, pois não atender a
expectativas gera uma visão negativa. No mundo da TI, muitos são os fabricantes
que sempre se posicionam como líder de algum segmento. Isso, então, é ruim?
Ruiz – Vejo alguns pontos aí. Primeiro, os
institutos de pesquisas podem posicionar e a fabricante pode divulgar da forma
que quiser, mas o mercado é mais sensato, pois eles sabem que ser líder não
significa necessariamente ser o melhor. De repente, a tecnologia é a melhor,
mas todo o conjunto por trás não é tão líder assim. E isso leva a outro ponto,
pois se posicionar como líder gera a expectativa no consumidor de que ele é o
melhor, que tudo daquela marca será demais, genial. Mas e se o serviço não for
bacana? E se o produto der problema e a resolução for demorada? Adianta ser
líder em tecnologia e esquecer a liderança em serviços? Existe uma margem de
aceitação, que fica entre atender às necessidades e superar as expectativas.
Ambas são boas, mas em proporções diferentes, e isso vai do pré ao pós-venda.
Quando elos desse sistema são deixados para trás, e a expectativa se transforma
em algo ruim, isso se torna um problema, pois voltamos a falar de externar toda
a insatisfação, principalmente em redes sociais. É um fato, hoje está ainda
mais tênue a linha entre a felicidade e a raiva. Alinhando o pensamento, posso
afirmar que quanto mais vezes a empresa afirma ser a melhor em algo, maior é a
expectativa do consumidor e ainda maior pode ser a decepção com a compra,
gerando um feedback negativo.
CRN Brasil – E quando você fala
“o mercado sabe”, isso também é contemplado pelos colaboradores?
Ruiz – Com toda a certeza. O funcionário é o
cliente interno, que é tão importante quanto o externo. Uma equipe com
propósitos claros, com um direcionamento justo e bem focado de para onde a
empresa quer ir, faz com que os colaboradores trabalhem em torno de um grande
objetivo, pois eles sabem que vão ganhar com a empresa crescendo.
Mais do que nunca, somente a clareza na hora de fazer negócios pode dar um
futuro certeiro para qualquer marca, seja o fabricante, o canal, o integrador,
o prestador de serviços, a área de marketing, seja quem for. As pessoas querem
saber para onde a empresa vai e como podem (e se vão) ajudar. Os valores das
empresas estão em jogo, tanto para quem compra quanto para quem faz. E, até
usando um pouco do que você perguntou, o funcionário sabe se a empresa é líder.
Se a marca transparece uma coisa, mas internamente está totalmente o contrário,
novamente, logo os problemas aparecem. O empresário tem que ter uma mensagem
muito clara para seu negócio: toda estratégia orientada ao cliente final pode
ser um fracasso se o colaborador não pensa igual à empresa.
CRN Brasil – Então, para
estruturar um pensamento elencado em prioridades, o que é mais importante hoje:
qualidade, preço, o relacionamento ou a combinação de todos?
Ruiz – Todos esses são prioridade, junto à
transparência, posicionamento e todas as questões de valor. Não dá para dizer
“vou começar a melhorar a empresa primeiro pelo pós-venda, depois pelo
marketing, aí no atendimento…”, tudo deve ser feito junto, ao mesmo tempo, para
que o conjunto trabalhe em ordem. Pode ser feito de forma rápida ou mais lenta,
mas junto. Fazer aos poucos é mais doloroso, pois gera novas lacunas internas.
E, quanto ao preço, ele carrega todos os valores. Ser caro ou barato são
variáveis a tudo que está por trás do que é oferecido na ponta. Vale lembrar
que os responsáveis pelas áreas, os gestores, são muito mais cobrados, sendo as
pessoas que estão na linha de frente para atender a tudo o que conversamos
aqui. Esses profissionais devem ser – junto ao corpo diretivo – os
impulsionadores dos propósitos empresariais, eles devem estar engajados e dispostos.
Isso serve como reflexão para que, em um momento de arrumação total, o
presidente da companhia, por exemplo, saiba o momento de trocar o time, mudar o
jogo, trabalhar a imagem da companhia e fazer o “projeto empresa” funcionar.
CRN Brasil – Os executivos por
trás da marca fazem a diferença na hora da compra? Como foi o Steve Jobs, por
exemplo?
Ruiz – Ele fomentou a paixão pelos devices, ele se
colocava publicamente falando que o dele era o melhor e, quando caiu na graça
do usuário final, a visão dele foi extremamente bem aceita. Ele engajou os
usuários finais a ponto de defender a marca fortemente, viralizando os
aplicativos e as formas de uso. Respondendo à pergunta, sim. Executivos assim
ajudam. É arriscado, mas no caso dele deu muito certo, e isso pode não ser útil
em outros segmentos ou setores.
CRN Brasil – O usuário engajado é
a melhor ferramenta que o marketing poderia ter?
Ruiz – Certamente! Pois voltamos àquela discussão
do quanto esses usuários espalham suas experiências nas redes sociais, criam
fóruns para discussão, incentivam o uso, a compra, desenvolvem o desejo de
comprar em mais e mais pessoas, que, muitas vezes, como no caso dos tablets,
não fazem ideia do que estão segurando nas mãos, usam apenas 5% da capacidade
total do equipamento, mas ele tem.
CRN Brasil – No caso de um canal
integrador, que tem sua grande margem de atuação proveniente do serviço
prestado, o que é o ideal?
Ruiz – Cobrar uma postura firme e coesa dos
fabricantes com que ele trabalha. Se ele já está em uma empresa com grande
reconhecimento do mercado, o vento já sopra para o lado dele, mas agora começa
a conversa de ser uma extensão de toda a confiança que o mercado deposita na
marca que ele representa, e a concorrência é grande. O integrador, canal,
revenda tem que se posicionar a favor dos negócios e da clareza do
relacionamento, nunca se esquecendo da qualidade. É uma conversa que envolve
muita burocracia por vezes, mas, no geral, se ele está junto a marcas que
trabalham focadas no resultados de forma clara, ele terá o seu espaço, será um
destaque entre todos os outros canais. O serviço em si é onde a empresa
consegue mostrar seus diferenciais na prática, e o fabricante sabe disso.
CRN Brasil – Para você, o que vem
depois? Com tantas mudanças na forma de comprar e se relacionar com as marcas,
o que se pode esperar do futuro consumidor?
Ruiz – Adoraria ter certeza dessa resposta (risos)!
Acredito que ainda levaremos um tempo para adaptar todo esse grande volume de
informação que existe em algo substancial para os negócios, e durante o trajeto
haverá muitas novidades. Em geral, se a tendência é evoluir, veremos um cenário
parecido com o que temos hoje, mas muito mais segmentado por nichos, com
públicos bem definidos e maior apreço pela “exclusividade” de produtos.
Acredito que a forma de fazer negócios deva migrar para a desburocratização,
que as atuais gerações de consumo tragam essa necessidade de clareza para as
companhias. Enxergo a oportunidade de termos mais clareza em todos os
processos, por um movimento que começou há poucos anos e que será decisivo
daqui a uma década.
CRN Brasil – Para terminar nossa
conversa: qual é a chave do sucesso nos negócios?
Ruiz – A chave é a mesma há anos, mas que hoje está
extremamente latente: o posicionamento claro, o direcionamento efetivo. Você
quer que o mercado te veja como o de melhor qualidade, então tenha qualidade.
Em determinado momento, as empresas vão entender que transparecer algo não é
ser; e o usuário sabe disso, o mercado então nem se fala. Novamente, valor e
posicionamento andam juntos para um futuro cada vez mais competitivo, mas,
certamente, mais atraente para quem sabe onde está, para onde quer ir e quem
são os parceiros ideais para fazer isso, o que inclui todo o ambiente interno,
os braços de negócios com os canais e a satisfação do cliente.
Fonte: informationweek.com